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Rita Mourão conseguiu uma proeza extraordinária que poucos conseguem, pois nem todos acreditam tanto em si mesmo e se

fazem determinados ao nível que Rita se fez. Mas o impressionante ainda está por vir: Rita Mourão é em grande parte autodidata, apesar de ter lecionado por 16 anos na área de Literatura no Colégio Metodista e cursado 13 anos de Produção e Interpretação de Texto com a grandiosa Ely Vieitz Lisboa. Fora que começou a escrever, ou pelo menos, a publicar um tanto quanto tarde.

Só esses fatores já fizeram da autora grande vencedora.

Há até o momento cinco obras: Chama e Mormaço de 1997, Um jeito de (re) viver e Meu Sertão, meu Brasil de 2000, Entre pedras, girassóis e poesia de 2010 e E a Palavra Habitou em Mim de 2014. Abordarei a primeira obra em um futuro próximo, pois devido à ordem de aquisição dos exemplares, primeiro li o volume de estreia e depois o quinto.
Todos os livros já despertam a atenção do leitor pelos títulos simples, mas intrigantes e pertinentes ao gênero literário no qual são integrantes: poesia.
No livro Chama e Mormaço, uma das possíveis leituras do título se dá ao fato de que chama seria o fluxo de ideias e inspirações

do autor enquanto escreve e, mormaço seriam as emoções e gratificações recíprocas tanto de quem lê quanto de quem produz.
Não falarei muito sobre esse primeiro exemplar, pois além de não o ter lido com olhos críticos – no sentido de analisá-lo

literariamente – não fiz anotações e destaquei partes interessantes. Assim que possível voltarei a lê-lo para concretizar

tais observações.
Entre o primeiro e o quinto livro, Rita adquiriu enorme bagagem, aperfeiçoando-se cada vez mais, e neste chegou ao ápice.
E a Palavra Habitou em Mim é uma riquíssima obra para leitura e admiração, mas acima de tudo um acervo e documento histórico de merecido e inquestionável valor, tanto para eternizar a grande poetisa Rita Mourão – daqui belos e longos anos é claro – quanto para estudo da teoria e prática poética em geral.
O título que mais faz sentido e que mais me agradou, com certeza foi esse. De fato a palavra habitou e habita nos escritores,

nem sempre já madura, pronta para fixar-se no papel, mas sem dúvida grafada na alma do autor.
Transcreverei na íntegra alguns comentários constantes no livro, os quais o resumirão bem.
Como explicar o lirismo de Rita, o excelente teor literário de seus poemas, o vocabulário rico, as alusões gramaticais, até uma ousadia, na Linguística? E a Palavra Habitou em Mim é o seu quinto livro. Houve crescimento, um amadurecer.

Nessa obra Rita Mourão é mais ousada, vasculha seus porões sem medo, enfrenta um desnudamento do seu interior, canta a infância, a família, o campo e, obcecadamente, a importância da Palavra.
Seus poemas de E a Palavra Habitou em Mim têm um vocabulário rico, metáforas inusitadas, o termo justo.
Rm cria neologismos poéticos, tem finais magníficos em alguns poemas: “Sou a vítima, sou disfarce, sou inquérito, / Sou a vida questionada nas linhas do pretérito” (poema Disfarces). Ou no poema O Mesmo Caminho: “Sou a anáfora dos meus desertos íntimos, / um cacto à espera do milagre da chuva”. Cite-se também, como verdadeira chave de ouro, o fecho do poema Desencontros: “Não houve culpados, houve partida, sonhos desfeitos. / Minha vida é um verbo conjugado no pretérito mais que perfeito”.
Há que se realçar uma característica da poetisa: um rico sentimento telúrico, que dá vida à Natureza, um sensualismo forte,

mas delicado e poético, como no poema Sensualismo: “Para completar o erótico cenário, uma pedra gemia de prazer / com o toque da brisa alisando o corpo dela. / Um lagarto em cima da pedra / esticava o papo amarelo / lambia o corpo do sol e gozava. / Eu e minhas curiosidades infantis, inebriadas por tanta sensualidade, / também gozávamos desse amor sem subterfúgios”.
Nossa poetisa de Piumhi canta, em muitos poemas, A Palavra, como tesouro maior dos poetas. Juntam-se a isto versos fortes,

sem nuances, tudo ungido por uma sensualidade única, delicadezas. Em seu poema Ousadia, confessa: “Quando criei coragem,

ela se recompôs e disse: / Se me queres, desnuda-me. / Foi o que fiz. / Desatei o nó da minha timidez / e soltei a ousadia.

/ Tirei a roupa da Palavra, / vasculhei todos os seus poros, recônditos e metas. / Hoje sou sua amante / sua serva / sua dependente / E para satisfazer meus desejos, me atrevi a ser poeta”.
O poema Transmutação é uma joia rara: “Antes eu sofria de árvore / e cantava o canto delas / (...) O rio ladeava, eu ladeava com ele / pisando musgos, barrancas encharcadas / e buscando atalhos. Hoje sua pedra em lapidação e sofro de cascalho”.
Enfatiza-se no poema Definição: “Sou um rascunho de pássaro inacabado. / Sem as asas só tenho emoções miúdas”...

Ele é muito belo e faz parte dos textos em que a Poetisa busca uma definição de si própria. Às vezes, Rita fala das suas ilusões:

“Vão se perdendo no céu do meu entorno”... Há melancolia, outras vezes ela define os momentos de amor, como nos versos

magistrais que fecham o poema: “Ele encanta, vadia, acena e deslumbra. / E quando os corpos se entregam / a felicidade deixa

de ser abstrata”. No poema Amor há um belo final: “Porque ausência é a presença que transmuda. / E a minha saudade é um

substantivo concreto”.
O poema De Amor e Ética é realista, assim como a visão inexorável do futuro da humanidade, em Apocalipse: “Os pássaros serão estátuas de pedra / e o mundo um imenso mar de cinzas”. A força de um abraço aborda um tema comum, mas tem um belo final: “O abraço é uma declaração de amor sem palavras, / é um gesto do silêncio em forma de poesia”.

Em Ana Terra, título alusivo à personagem famosa de Érico Veríssimo, a poetisa é muito feliz quando confessa: “Às vezes sou frágil como um cordeiro que se imola, / outras vezes sou forte, uma Ana Terra.” Citem-se amargura e frustação no verso final do poema Desabafo: “E eu? Fui o que sou sem chegar ao que eu queria ter sido”. (Ely Vieitz Lisboa).
Percebe-se, portanto, a facilidade e criatividade que Rita Mourão tem em criar metáforas ímpares; de lidar com a Língua Portuguesa; de transcrever a Alma; de dialogar e brincar com teorias e palavras inerentes ao curso de Letras, empregando-as mais em contextos metafóricos do que conceituais – o que pretendo fazer em um dos meus próximos livros, metaforizando é claro, mas, sobretudo, ensinando de forma lúdica e dinâmica alguns pontos essenciais da Língua Portuguesa.
Se você está à procura de emoção ou se quer se aprofundar na teoria poética, estudando-a, mergulhe nesse mar catártico

e deixe que a epifania das ondas levem-no ao horizonte.

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