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O estudo da teoria literária é tão extenso, intenso e complexo quanto o de suas subdivisões, os gêneros literários: poesia, conto, crônica, romance, novela e tantos outros. Interessa, aqui, a abordagem poética, da qual muito se tem estudado, dito e escrito, desde sempre. 
Assuntos envolvendo essa temática são motivos para redação de ensaios, tão numeroso ser tudo o que há para se discorrer, sobretudo a diferenciação entre poema e poesia, a identidade do poeta, o seu papel e o processo de criação.
Elucidando cada uma das exposições acima, segundo as convenções teóricas, poema é o texto escrito e poesia é o texto imaginado, sentido. Em outras palavras, poema é o concreto e poesia o abstrato e, sendo assim, o poema só se materializa no próprio poema; enquanto a poesia está em tudo que cerca o homem: desde a metamorfose de uma borboleta até um simples desenho feito por criança.
Entretanto, há muito que se questionar sobre tal distinção, afinal, se para haver poema concreto, no papel, o mesmo foi poema concreto na mente e na alma do poeta, que apenas passou a limpo para o papel; e, para ser poesia para o leitor, tem de ser concreto no papel e, depois, concreto na alma e na mente de quem o lê; por que considerar o subjetivismo e a concretude como semelhantes, mas distintos, em vez de irmãos gêmeos, ou então, como apenas um elemento em processos de metamorfose? Afinal os dois se são, conforme os momentos lhes exigem. Além do que o importante é a materialidade e a finalidade da obra, não nomenclaturas.
Tais indagações e constatações são umas das feitas pelo autor da obra que se resenhará logo mais, não só ao decorrer de seus textos, mas ao final, em uma “carta ao leitor”, que bem poderia servir de prefácio do autor. Em dado momento da “carta”, ele diz: 
“Eu sei que os poemas são irregulares. Uns com carga poética, dentro do conceito convencional e costumeiro, outros sem poesia nenhuma. Nem poemas são. Palavras perfiladas apenas, sem emoção, registro do fato, só”.
Abrirei, aqui, um adendo para dizer a você, leitor e, a você autor do livro resenhado: não diminua suas produções, em circunstância alguma. Eu, como poeta que também sou, tinha e ainda tenho a preocupação com o formalismo estrutural que nos é imposto e com a poesia que há ou não em minhas produções, no entanto, tal preocupação vem em segundo plano, já que o primeiro é pura e simplesmente a escrita.
No início de minha carreira não fazia uso de rimas, de metáforas, de figuras de linguagem ou qualquer outro recurso poético mais elaborado, meus poemas eram explícitos. Com o passar dos anos é que fui aprendendo a lapidá-lo e a moldá-lo com os devidos contornos.
Com o passar do tempo veio também a preocupação de seguir ou não os padrões estabelecidos pela poética, sobretudo as questões gramaticais; como também a de estar ou não agradando meu leitor. Inicialmente isso me tirava o sono, pois eram preocupações prioritárias, mas passei a deixá-las em segundo plano, pois a minha necessidade primeira de escrever é chorar as lágrimas em letras, é matar a palavra para que ela não me mate, é desabafar com o papel, enfim, é escrever pura e simplesmente. 
Voltando à narrativa da resenha, o autor questiona-se sobre aspectos vários, inerentes ao ofício de poetar e de sê-lo. Eis que elenco, com base no autor, alguns devaneios:
O poeta, quem o será? Eis a espinhosa e filosófica questão! Será ele o que escreve por sê-lo assim, simplesmente, ou porque almeja sê-lo? Será o que o poeta escreve uma retratação da realidade, uma ilusão, um presságio, uma confissão, um desabafo? Será o poeta, enquanto indivíduo físico, o mesmo que nomeado em suas obras? Será o poeta um personagem ou ele mesmo? O poeta existe apenas porque existe o poema ou existiria também, como substantivo concreto no abstracionismo do poema? 
O poeta sente o que escreve, escreve o que sente, ou ambos? O poeta só escreve se tiver inspiração? E essa tal de inspiração: o que é, será que realmente existe?
O poeta escreve para expor seus pensamentos, suas dores; para desabafar, exilar-se em um mundo no qual o entendam, para aliviar a tensão para não suicidar-se, enfim, por que e para quem o poeta escreve?
A obra do poeta deve ser planejada e depois escrita, planejada enquanto se escreve, ou ainda, nem ser planejada? Quando a obra do poeta está pronta: ao terminar de ser escrita, ao ser revisada e reescrita várias vezes, após sua publicação?
Tendo-se tantas exposições citadas, vê-se que o poeta é um ser questionador, contestador, inquieto, sem respostas; vê-se que quanto mais se tenta achar respostas, mais perguntas aparecem; quanto mais se tenta submergir, mais imerso se fica. Tanto que no dizer do autor:
“[...] até notícia de jornal parece ser poesia, dentro do conceito de que a poesia registra-se onde haja sofrimento, desgraças muitas. A realidade parece ter superado a ficção”.
Ler, estudar e, principalmente, escrever poesia – ou melhor, poema – é tarefa complexa, árdua, solitária, ingrata. 
Há poetas que começam a escrever ainda crianças, há os que se iniciam na arte pouco mais tarde, há os que o fazem já com cabelos brancos, há os que nunca tentam. Após escrever há os que guardam na gaveta para a eternidade e para, em algum momento, releitura e lembrança própria; há os que revisam e reescrevem incensadas vezes para uma futura publicação, enfim, são inúmeros os processos entre a ideia de escrever e a publicação final. Então, para o autor:
“A literatura não é, não deve e não pode ser “hobby” de ninguém. Se o autor se alimenta pouco dela é que lhe tem sobrado pouco tempo de “sentar à mesa”. Daí a sua angústia de produzir textos muito ruins e iludir-se de que sejam bons. Uma vez impressos, perde o controle e aí – filhos mal educados – começam a causar-lhe problemas. É um risco. Assumo”. 
Falará novamente o poeta amigo-conselheiro: diante um país tão desmotivador e indiferente à cultura que realmente deveria ser valorizada, sobretudo literatura de modo geral, deve sê-la, sim, um hobby, pois do contrário morreremos de fome e sede. E mais: não há texto bom e/ou ruim, o que há é texto amador (bruto) e texto profissional (lapidado). Tachar uma produção como ruim, por mais simples que ela seja não é tarefa justa com o escritor outro.
De volta... dizem que escrever e publicar é um parto, no entanto, irei além: é infinitamente mais... é um parto a fórceps, sem anestesia, com lento e doloroso processo de recuperação. O porquê disso?
Porque há leitores e críticos dos mais variados, ou seja, os que o detestam e os que o odeiam; há preconceito, por parte de muitas editoras, contra os pequenos e não-famosos escritores; a cultura, sobretudo a literatura, é muito desvalorizada em nosso país, fazendo o escritor morrer de fome, se essa for sua única fonte de renda; entre tantos outros motivos.
Assim, finalizarei aqui, com palavras outras do autor, essa parte de divagações, para que possa, finalmente, discorrer sobre a obra estupenda que lhe é de direito. Ei-las:
“[...] Se os relegar à gaveta, tem o sentimento da culpa; se os colocar ao leitor, teme a impertinência dos textos; se os rasgar e os jogar fora, fica com o sentimento da delicadeza perdida, já que são frutos de momento terno especialmente pessoal. Pede, então, o autor desculpas ao leitor – se é que algum existirá [...] Por fim, o leitor tem a opção de pular as páginas. Ou renegar completamente todos os poemas, absolutamente, e livrar-se do livro. Há gavetas próprias para estes esquecimentos voluntários ou certa prateleira da estante bem no alto ou bem abaixo, nunca à mão, para os escritos de menos ou nenhuma monta”.
Sem por nem tirar uma vírgula, Waldomiro Peixoto vivenciou tudo isso e mais um pouco, pois a princípio, passou por todas essas etapas e questionamentos; depois veio o fato de se iniciar na literatura bem tarde e com um único título – seu primeiro livro – apesar de que os poemas constantes foram escritos e trabalhados por muitos anos (estavam em processo de gestação); há ainda, o fator de Waldomiro ser das Letras, sobretudo com ampla experiência nas áreas de especialização em Estrutura Morfossintática da Língua Portuguesa, língua portuguesa, literatura brasileira, literatura infantil e técnica de redação. Tal bagagem permitiu e permite a Waldomiro, brincar com a língua por meio de figuras de linguagem (hipérbato, assonância, aliteração, metáforas e tantas outras) e por meio de recursos poéticos, principalmente os chamados enjambements, que acabam por conferir possibilidades várias de leitura e interpretação.
Waldomiro chegou à arena com sua “faca amolada” para o combate, mesmo sabendo que haveria oponente portando espadas. Com sua aparentemente “singela e inofensiva faca amolada”, derrotou a todos, mostrando que tamanho não é documento; mostrando que para ser bom lutador não é preciso de boa arma; mostrando que cabe “ao vencedor as batatas”, enfim, explica o autor o título: “Faca Amolada” sugere dor que corta, agudamente, entranhas, mas, com ser de dois gumes, pode ser que os poemas doces também contrabalanceiem, mesmo que tirem o equilíbrio e a unidade da obra. Mas o que na vida é uno?
É possível que uns poucos poemas se salvem, se houver uma identificação entre a dor do leitor e a do autor. Tudo é possível. 
Se um poema se salvar já pode ser um prêmio”.
Waldomiro parece não ter noção do poder que sua faca tem, afinal não é uma faca comum. Ela tem fio do início ao fim, nas laterais, em cima e embaixo. Essa faca esculpida à mão e a martelo, corta o tutano da alma, de forma tal que é impossível reparação e cicatrização. 
Se já não bastasse poder tamanho e devastador, encontrado ao longo dos poemas, há ainda, belíssimas palavras de Ely Vieitez Lisboa e Antônio Carlos Tórtoro, as quais servem de sutura ao corte iniciado pela capa e pela epígrafe, que mais tarde, como dito, será reaberto para nunca mais se fechar.
Já que esses dois nomes foram mencionados, cabe dizer o quanto Waldomiro é homem de sorte e respeitado no meio, pois ter as palavras desses dois grandes ícones da cultura e da literatura, não é para qualquer um. Dois nomes, que, aliás, ao lado de um terceiro – Irene Coimbra de Oliveira Cláudio – são o motivo de ainda haver cultura em Ribeirão Preto e região. 
O autor transita com facilidade e propriedade por disciplinas, conteúdos e autores vários. Muitos de seus versos, ora fazem referência a algum clássico da Literatura Brasileira, ora me fazem lembrar de muitos de meus versos, devido a grande semelhança.
Oitenta por cento do livro gira em torno do Ser Poeta e tudo que o circunda (pensamentos, dores, dificuldades, anseios), os outros vinte, divide-se em memórias de infância do autor, inconformismo crítico para com a sociedade atual e erotismo, que figura-se como um desejo latejante, a beira de se mostrar, mas ao mesmo tempo, tímido. 
O livro de Waldomiro é a faca, o passado e o presente de cada um de vocês, leitores, é a chaira e, vocês – ou melhor, a alma de vocês – é o objeto / pele a ser cortado, então o nível de ferimento dependerá do quanto a chaira de suas vidas amolará essa poderosa e potente faca.
Apesar de doloroso, busque conhecer essa obra-prima e ferir-se, pois valerá muito a pena, afinal, quer pela vida, quer pela faca Waldomiriana, você será acometido. Então que a dor seja literária e grandiosa.

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