top of page

Quem conhece um pouco de um dos grandes poetas Portugueses, Fernando Pessoa, sabe de sua extraordinária genialidade e de sua incansável busca pelos sentidos da Vida, sobretudo da existência humana. Não somente, mas também como uma válvula de escape, Pessoa criou heterônimos para classificar e dividir sua obra e para não tirar sua própria Vida.

Quem se depara com “Meus Eus” – uma das quatro peças em cartaz pelo projeto Busão Teatral – logo a associa ao célebre poeta. De certa forma pode até ser que Valter Navarro tenha se inspirado em Pessoa, mas a temática única – a busca sobre a reflexão de si mesmo – nada mais é do que uma coletânea de opiniões, acontecimentos, experiências próprias e naturezas afins.

A Vida é de fato complexa e relativa para os Seres Humanos, devido a um único fator – e como o é poderoso – a racionalidade. Tudo advém e é consequência desse fator, inclusive a consciência. Um belo exemplo para ilustrar a premissa é a fala do Filósofo e professor de Ética, Clóvis de Barros Filho: um gato já nasce como gato, já nasce sabendo sê-lo, ou seja, a Vida do animal será rotineira do início ao fim, ele não fará e não pensará em nada além do que lhe foi atribuído; já os Seres Humanos são manipulados e manipuladores.

Logo ao início da peça a primeira associação que se faz é em relação ao poema “O Corvo” de Edgar Allan Poe, devido à iluminação, a vestimenta dos atores e à rosa entregue para cada um dos expectadores – ambas pretas.

Em seguida se fala em alguém que todos conhecemos bem, sem mencionar seu nome. E nem é necessário, mas é preciso cuidado. Deus o quem quer que seja – dependendo da religião – pode não sê-lo, por ser você mesmo, ou melhor, sua (in) consciência.

Pouco depois se fala em metamorfose e não precisa se esforçar muito para instantaneamente se lembrar do bom e velho Raul Seixas: “eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”. Um leitor um pouco mais assíduo também se lembrará de Franz Kakfa em sua obra “A Metamorfose”.

Em outro momento um dos atores diz que a Vida é simples, nós é quem a complicamos e que a simplicidade é necessária. Fãs de Oswaldo Montenegro se lembrarão na hora de “Metade”. A estrofe da música diz assim: “que a arte me aponte uma resposta / mesmo que ela mesma não saiba / e que ninguém a tente complicar / pois é preciso simplicidade para fazê-la florescer / pois metade de mim é plateia / a outra metade é canção / que a minha loucura seja perdoada / pois metade de mim é amor / e a outra também”.

E por falar em amor, mesmo que indiretamente, ele o cabe e está presente na peça. Amor não é somente a construção imagética que se faz e se padroniza. Como diria Platão: “Amor – denominado de Eros – é o desejo pelo que falta”. Aristóteles diria: “Amor – denominado Philia – é a alegria pelo que se tem enquanto se tem”. Sendo assim, podemos ter amor por nós mesmos, pelos outros, pelo que temos, pelo que nos falta, por objetos e tantas outras naturezas.

O Ter e o Ser, ambos são essenciais à Vida, mas empregados em momentos inadequados e/ou idolatrados, um mais do que o outro. É preciso saber usá-los e administrá-los.

Você espera a Vida, a Vida não o espera; você passa pela Vida, não a Vida passa por você; você faz a Vida, não a Vida o faz... o guia e o colhedor será sempre você, nunca a Vida. Ela será como você é.

A presença de vários atores em cena, não interagindo uns com os outros no sentido real da palavra, mas com suas próprias consciências, lembra um recurso da narrativa denominado de monólogo interior e/ou fluxo de consciência. Dá para associar tais passagens com a peça “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues por causa da inovação que o mesmo faz construindo-a em três planos.

Se você quer ir a um lugar sabendo para aonde vai, quem é e o que vai fazer, e voltar com os opostos, vá assistir ao espetáculo. Há uma definição para catarse e epifania, melhor que a do dicionário, sê-la “Meus Eus”.

bottom of page