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O Pré-modernismo, o Modernismo e, posteriormente, o Pós-Modernismo, figuraram como as últimas escolas literárias. Atentemo-nos para aquela, a qual se pautava na retratação da Sociedade Brasileira, ou seja, agora o período passou a ser extremamente Nacionalista.

Os valores éticos e contextos históricos do século XIX foram desaparecendo e começou a surgir uma nova realidade, cheia de conflitos, tais como: o fanatismo religioso do Padre Cícero e de Antônio Conselheiro; o Cangaço, no Nordeste; as Revoltas da Vacina e da Chibata, no Rio de Janeiro; as Greves Operárias, em São Paulo; a Guerra do Contestado, na Fronteira entre Paraná e Santa Catarina; além do cenário político: Oligarquia Rural, o início da Burguesia Urbana, a Industrialização, Segregação dos Negros após a Abolição da Escravatura, início do Proletariado e por fim, a Imigração Europeia.

Apesar de a Literatura Estrangeira ter se feito presente de alguma forma no Brasil, não foi o suficiente, ou melhor, quase não exerceu influência ou ação sobre a Literatura de nosso país. Entenderemos melhor o período e suas produções, ao analisarmos, logo a seguir, o que diz Alfredo Bosi – um dos maiores críticos literários brasileiros – sobre Lima Barreto e seu romance “O Triste Fim de Policarpo Quaresma”.  Vejamos primeiro uma breve biografia do autor:

 

Afonso Henriques de Lima Barreto (Rio de Janeiro, 1881-1922). Filho de um tipógrafo e de uma professora primária, ambos mestiços. Aos sete anos, ficou órfão de mãe. [...]

Graças à proteção do Visconde, seu padrinho, Lima Barreto pôde completar o curso secundário e matricular-se na Escola Politécnica (1897) que frequentaria saltuariamente até abandonar, em 1903. Nesse meio tempo seu pai enlouquece e é recolhido à Colônia. O escritor passa a viver como pequeno funcionário da Secretaria da Guerra e a colaborar na imprensa. Pelas datas dos prefácios infere-se que foi nessa difícil quadra dos vinte anos que planejou quase todos os seus romances. Lendo avidamente literatura de ficção europeia do século XIX, L. Barreto familiarizou-se com a melhor tradição realista e social e foi dos raros intelectuais brasileiros que conheceram, na época, os grandes romancistas russos. Que, de resto, vinham ao encontro da revolta contra as injustiças e os preconceitos de que se sabia vítima. Vivendo constantes crises de depressão e entregando-se amiúde à bebida, teve que internar-se por duas vezes no Hospício Nacional (em 1914 e em 1919): da segunda estada nasceu o Cemitério dos Vivos. [...]

Lima Barreto morreu de colapso cardíaco, aos quarenta e um anos de idade. (Pág. 338)

 

Passemos agora, para algumas considerações referentes à obra:

 

É verdade que se apontaram contradições na ideologia de Lima Barreto: o iconoclasta de tabus detestava algumas formas típicas de modernização que o Rio de Janeiro conheceu nos primeiros decênios do século: o cinema, o futebol, o arranha-céu e, o que parece grave, a própria ascensão profissional da mulher!

Chegava, às vezes, a confrontar o sistema republicano desfavoravelmente com o regime monárquico no Brasil.

[...]

O ressentimento do mulato enfermiço e o suburbanismo não o impediram, porém, de ver e de configurar com bastante clareza o ridículo e o patético do nacionalismo tomado como bandeira isolada e fanatizante: no Major Policarpo Quaresma afloram tanto as revoltas do brasileiro marginalizado em uma sociedade onde o capital já não tem pátria, quanto a própria consciência do romancista de que o caminho meufanista é veleitário e impotente. Tal duplicidade de planos, o narrativo (relato dos percalços do brasileiro em sua pátria) e o crítico (enfoque dos limites da ideologia) aviva de forma singular a personalidade literária de Lima Barreto, em que se reconhece a inteligência como força sempre atuante. (Pág. 339)

E não é só no campo ideológico que sobressai a coexistência de representação e espírito crítico. Também no estilístico. O que parece apenas espontâneo e instintivo em sua prosa narrativa é, no fundo, consciente e, não raro, polêmico.

O estilo de pensar e escrever contra o qual se insurgia o autor do Triste fim de Policarpo Quaresma era o simbolizado por um Coelho Neto ou um Rui Barbosa: o da palavra a servir de anteparo entre o homem e as coisas e os fatos.

Em Lima Barreto, ao contrário, as cenas de rua ou os encontros e desencontros domésticos acham-se narrados com uma animação tão simples e discreta, que as frases jamais brilham por si mesmas, isoladas e insólitas (como resultava da linguagem parnasiana), mas deixam transparecer naturalmente a paisagem, os objetos e as figuras humanas.

Nessa perspectiva, as realidades sociais, isto é, o conteúdo pré-romanesco, embora escolhidas e elaboradas pelo ponto de vista afetivo e polêmico do narrador, não parecem, de modo algum, forçadas a ilustrar inclinações puramente subjetivas. O resultado é um estilo ao mesmo tempo realista e intencional, cujo limite inferior é a crônica. (Pág. 340)

 [...]

Triste Fim de Policarpo Quaresma é um romance em terceira pessoa, em que se nota maior esforço de construção e acabamento formal. Lima Barreto nele conseguiu criar uma personagem que não fosse mera projeção de amarguras pessoais como o amanuense Isaías Caminha, nem um tipo pré-formado, nos moldes das figuras secundárias que pululam em todas as suas obras. O Major Quaresma não se exaure na obsessão nacionalista, no fanatismo xenófobo; pessoa viva, as suas reações revelam o entusiasmo do homem ingênuo, a distanciá-lo do conformismo em que se arrastam os demais burocratas e militares e reformados cujos bocejos amornecem os serões do subúrbio.

No dizer Arguto de Oliveira Lima, tem Policarpo algo de quixotesco, e o romancista soube explorar os efeitos cômicos que todo quixotismo deve fatalmente produzir, ao lado do patético que fatalmente acompanha a boa-fé desarmada. Seus requerimentos pedindo às autoridades que introduzissem o tupi como língua oficial; sua insólita forma de receber as visitas, chorando e gesticulando como um legítimo goitacá; suas baldadas pesquisas folclóricas na tapera de uma negra velha que mal recorda cantigas de ninar: eis alguns dos recursos do autor para ferir a tecla do riso. Mas o episódio da morte de Ismênia, o contato e a desilusão de Quaresma com Floriano e a sua “falange sagrada” de cadetes (descritos em páginas antológicas), as desventuradas experiências junto à terra e, sobretudo, as páginas finais de solidão voltam a colorir com a tinta da melancolia a prosa limabarretiana.

Já se tornou lugar-comum louvar a riqueza de observação e de sentimento desse romance para deplorar-lhe, em seguida, o desleixo da linguagem, enfeada por solecismos, cacófatos e repetições numerosas. Sem entrar no mérito da questão, ligada a um fenômeno estético-social complexo como o do bom gosto, variável de cultura para cultura, pode-se ver, na raiz dessa língua “irregular” a própria dissonância espiritual do narrador com o estilo vitorioso no mundo das letras em que, dialeticamente, se inseria. (Pág. 341)

E em termos de estrutura narrativa, o que é todo o enredo do romance senão a procura malograda de viver mais brasileiramente em um Brasil que já estava deixando de o ser, ao menos naquele sentido romântico e meufanista que o pobre major ainda quer cultivar? A grandeza de Lima Barreto reside justamente no ter fixado o desencontro entre “um” ideal e “o” real, sem esterilizar o fulcro do tema – no caso o protagonista idealizador –  isto é, sem reduzi-lo a símbolo imóvel de um só comportamento. O desencontro vem a ser, desse modo, a constante social e psíquica do romance e explica igualmente as suas defasagens em relação ao nível da língua rigidamente gramaticalizada do Pré-Modernismo. (Pág. 342)

 

Ao desenrolar do enredo e com as inserções de pequenas citações da obra, se comprovará as técnicas narrativas a seguir:

Policarpo é personagem protagonista, pois é o responsável por todo o modelamento e avanço das intrigas. É também redondo, pois há características psicológicas e alteração tanto no comportamento quanto no pensamento do personagem durante as três partes do livro, mostrando, portanto, uma evolução do personagem.

Há três tipos de espaços no romance: o físico por representar os locais onde ocorre a história, são eles: a cidade do Rio de Janeiro, o sítio Sossego e o “Quartel”; o social por representar o meio em que ocorre a história, e consequentemente, a cultura do mesmo, neste caso o Rio de Janeiro; e o psicológico por exercer ações – sentimentalismos e lembranças – sobre o personagem, neste caso são os três anteriormente citados.

O tempo é psicológico quando se refere ao ponto de vista do personagem, pois ocorre conforme regras do próprio, e cronológico do ponto de vista da narrativa em si, pois é uma sequência de acontecimentos, havendo prolepses e analepses.

A narrativa é fechada, pois há um final definido para a história.

Feita tão perfeita e minuciosa análise, sobra-se pouco a dizer, pelo menos das respectivas referências.

Conheçamos então um sucinto resumo do enredo, dividido em três partes:

A primeira parte se passa na cidade do Rio de Janeiro, logo após a Abolição da Escravatura, tendo como protagonista o Major Quaresma – nomenclatura dada como apelido e não como Título Militar – passando a maior parte de seu tempo isolado em sua residência dedicando-se à leitura numerosa e contínua de diversos livros.

O Major não tinha amigos, quanto menos inimigos. A única desavença que tinha era com o Doutor Segadas, pois este não compreendia o fato de Quaresma possuir livros e lê-los sem ter uma formação acadêmica. Essa premissa revela a crítica ao academicismo da época.

 

Quaresma então explicou por que o tratavam por major. Um amigo, influência no Ministério do Interior, lhe tinha metido o nome numa lista de guardas-nacionais, com esse posto. Nunca tendo pago os emolumentos, viu-se, entretanto, sempre tratado major, e a coisa pegou. A princípio, protestou, mas como teimassem deixou. (Pág. 117)

 

Não recebia ninguém, vivia num isolamento monacal, embora fosse cortês com os vizinhos que o julgavam esquisito e misantropo. Se não tinha amigos na redondeza, não tinha inimigos, e a única desafeição que merecera, fora a do doutor Segadas, um clínico afamado no lugar, que não podia admitir que Quaresma tivesse livros: "Se não era formado, para quê? Pedantismo!" (Pág. 19)

 

Se já não bastasse o interesse em conhecer a cultura brasileira através dos livros, o major decidiu aprender a tocar violão, o que novamente foi mal visto pela sociedade e a faz discriminá-lo, mesmo que minimamente e que ele não se desse conta.  O Major era um patriota extremo. O rapaz contratado para lhe ensinar era o seresteiro Ricardo Coração dos Outros, o qual se tornará grande amigo do major.

 

Uma tarde de sol — sol de março, forte e implacável — aí pelas cercanias das quatro horas, as janelas de uma erma rua de São Januário povoaram-se rápida e repentinamente, de um e de outro lado. Até da casa do general vieram moças à janela! Que era? Um batalhão? Um incêndio? Nada disto: o Major Quaresma, de cabeça baixa, com pequenos passos de boi de carro, subia a rua, tendo debaixo do braço um violão impudico. (Pág. 20)

 

É verdade que a guitarra vinha decentemente embrulhada em papel, mas o vestuário não lhe escondia inteiramente as formas. À vista de tão escandaloso fato, a consideração e o respeito que o Major Policarpo Quaresma merecia nos arredores de sua casa, diminuíram um pouco. Estava perdido, maluco, diziam. Ele, porém, continuou serenamente nos seus estudos, mesmo porque não percebeu essa diminuição. (Pág. 20)

 

[...] Policarpo era patriota. Desde moço, aí pelos vinte anos, o amor da Pátria tomou-o todo inteiro. Não fora o amor comum, palrador e vazio; fora um sentimento sério, grave e absorvente. Nada de ambições políticas ou administrativas; o que Quaresma pensou, ou melhor: o que o patriotismo o fez pensar, foi num conhecimento inteiro do Brasil, levando-o a meditações sobre os seus recursos, para depois então apontar os remédios, as medidas progressivas, com pleno conhecimento de causa. (Pág.21)

 

Em pouco tempo Quaresma foi se desencantando pela música e passou a se dedicar ao estudo da língua Tupi-Guarani. Tamanho foi o estudo e o êxtase, que chegou a sugerir na Assembleia Legislativa Republicana a adoção do Tupi como Língua oficial, tornando-se motivo de chacota e redigindo, distraidamente, um documento oficial em Tupi, o que levou-o a ser internado em um manicômio.

 

Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi-guarani. Todas as manhãs, antes que a "Aurora, com seus dedos rosados abrisse caminho ao louro Febo", ele se atracava até ao almoço com o Montoya, Arte y dicionário de la lengua guaraní ó más bien tupí, e estudava o jargão caboclo com afinco e paixão.

Na repartição, os pequenos empregados, amanuenses e escreventes, tendo notícia desse seu estudo do idioma tupiniquim, deram não se sabe por que em chamá-lo — Ubirajara. Certa vez, o escrevente Azevedo, ao assinar o ponto, distraído, sem reparar quem lhe estava às costas, disse em tom chocarreiro: "Você já viu que hoje o Ubirajara está tardando?" (Pág. 22)

 

Justamente algumas semanas antes do pedido de casamento, ao abrir-se a sessão da Câmara, o secretário teve que proceder à leitura de um requerimento singular e que veio a ter uma fortuna de publicidade e comentário pouco usual em documentos de tal natureza. (Pág. 47)

 

[...] A sessão daquele dia fora fria; e, por ser assim, as seções dos jornais referentes à Câmara, no dia seguinte, publicaram o seguinte requerimento e glosaram-no em todos os tons.

Era assim concebida a petição:

"Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma — usando do direito que lhe confere a Constituição, vem pedir que o Congresso Nacional decrete o tupi-guarani, como língua oficial e nacional do povo brasileiro.

O suplicante, deixando de parte os argumentos históricos que militam em favor de sua ideia, pede vênia para lembrar que a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original; e, portanto, a emancipação política do país requer como complemento e consequência a sua emancipação idiomática.

 

Demais, Senhores Congressistas, o tupi-guarani, língua originalíssima, aglutinante, é verdade, mas a que o polissintetismo dá múltiplas feições de riqueza, é a única capaz de traduzir as nossas belezas, de pôr-nos em relação com a nossa natureza e adaptar-se perfeitamente aos nossos órgãos vocais e cerebrais, por ser criação de povos que aqui viveram e ainda vivem, portanto possuidores da organização fisiológica e psicológica para que tendemos, evitando-se dessa forma as estéreis controvérsias gramaticais, oriundas de uma difícil adaptação de uma língua de outra região à nossa organização cerebral e ao nosso aparelho vocal — controvérsias que tanto empecem o progresso da nossa cultura literária, científica e filosófica.

Seguro de que a sabedoria dos legisladores saberá encontrar meios para realizar semelhante medida e cônscio de que a Câmara e o Senado pesarão o seu alcance e utilidade P. e E. deferimento". (Pág. 48)

 

Agora, na segunda parte, cansado da vida e dos problemas urbanos, por conselho da afilhada Olga, Quaresma vende sua casa e compra um sítio denominado Sossego. Preocupa-se agora em provar a fertilidade do solo Brasileiro e a tentar ajudar na ascensão econômica do país.

 

Não fora ele, porém, quem se lembrara; fora a afilhada que lhe trouxe à ideia aquele doce acabar para a sua vida. Vendo-o naquele estado de abatimento, triste e taciturno, sem coragem de sair, enclausurado em sua casa de São Cristóvão, Olga dirigiu-se um dia ao padrinho meiga e filialmente:

— O padrinho por que não compra um sítio? Seria tão bom fazer as suas culturas, ter o seu pomar, a sua horta... não acha? (Pág. 66)

Não havia três meses que viera habitar aquela casa, naquele ermo lugar, a duas horas do Rio, por estrada de ferro, após ter passado seis meses no hospício da Praia das Saudades. [...] (Pág. 65)

 

— Mas como no Brasil, apressou-se ele em dizer, há poucos países que as tenham. Vou fazer o que tu dizes: plantar, criar, cultivar o milho, o feijão, a batata inglesa... Tu irás ver as minhas culturas, a minha horta, o meu pomar — então é que te convencerás como são fecundas as nossas terras! (Pág. 66)

 

O período de encantamento e rendimento com o sítio durou por pouco tempo, pois o major travou uma disputa incansável com formigas, ervas daninhas e outras pragas que destruíam suas plantações.  Manteve ainda, sua luta contra a opinião pública e as autoridades, e consequentemente, acabou envolvendo-se na luta política da cidade. Ao saber sobre a Revolta da Armada, retornou ao Rio de Janeiro para dar apoio ao regime e tentar mudar a situação agrária do país com suas sugestões.

 

Toda a manhã, ele ia lá e já via o milharal crescido com o seu pendão branco e as espigas de coma cor de vinho, oscilando ao vento; naquela, ele não viu nada mais, Até os tenros colmos tinham sido cortados e leva- dos para longe! "A modo que é obra de gente" disse Felizardo; entretanto, tinham sido as saúvas, os terríveis himenópteros, piratas ínfimos que lhe caíam em cima do trabalho com uma rapacidade turca...

Era preciso com- batê-los. Quaresma pôs-se logo em campo, descobriu as aberturas principais do formigueiro e em cada uma queimou o formicida mortal.

 

Passaram-se dias; os inimigos pareciam derrotados; mas, certa noite, indo ao pomar para melhor apreciar a noite estrelada, Quaresma ouviu uma bulha esquisita, como se alguém esmagasse as folhas mortas das árvores... Um estalido... E era perto... Acendeu um fósforo e o que viu, meu Deus! Quase todas as laranjeiras estavam negras de imensas saúvas. (Pág. 97)

 

Abriu o jornal e logo deu com a notícia de que os navios da esquadra se haviam insurgido e intimado ao presidente a sair do poder. Lembrou-se das suas reflexões de instantes atrás; um governo forte, até à tirania... Medidas agrárias... Sully e Henrique IV...

Os seus olhos brilhavam de esperança. Despediu o empregado. Foi ao interior da casa, nada disse à irmã, tomou o chapéu, e dirigiu-se à estação.

Chegou ao telégrafo e escreveu:

"Marechal Floriano, Rio. Peço energia. Sigo já. — Quaresma". (Pág. 102)

 

No que tange a terceira parte, após tanto amor, tanto empenho e tantas tentativas de melhorar e mudar a Pátria, o major começou a se desiludir de vez com seus ideais, mas ainda tentaria mais uma vez, e então, foi incorporado em um batalhão com o posto de major, embora não tivesse qualquer experiência militar.

 

Policarpo então teve uma vaga recordação e o outro explicou-lhe a formação do seu batalhão patriótico "Cruzeiro do Sul".

—O senhor quer fazer parte?

—Pois não, fez Quaresma.

—Estamos em dificuldades... Fardamento, calçado para as praças... Nas primeiras despesas devemos auxiliar o governo... Não convém sangrar o Tesouro, não acha?

—Certamente, disse com entusiasmo Quaresma.

—Folgo muito que o senhor concorde comigo... Vejo que é um patriota..." Resolvi por isso fazer um rateio pelos oficiais, em proporção ao posto: um alferes concorre com cem mil-réis, um tenente com duzentos... O senhor que patente quer? Ah! É verdade! O senhor é major, não é?

[...]

—Bem, fez Bustamante. O senhor fica mesmo sendo major.

—Qual é a minha quota?

—Quatrocentos mil-réis. Um pouco forte, mas... O senhor sabe; é um posto importante...

Aceita?

—Pois não.

Bustamante tirou a carteira, tomou nota com uma pontinha de lápis e despediu-se jovialmente:

—Então, major, às seis, no quartel provisório. (Pág.117)

 

Em um dos combates, Quaresma acabou matando um dos revoltosos e, terminada a guerra, foi encarregado de cuidar de um grupo de prisioneiros. O Major entrega os pontos de uma vez por todas, enxergando que sua vida não passou de uma mera ilusão.

 

[...] Eu matei, minha irmã; eu matei! E não contente de matar, ainda descarreguei um tiro quando o inimigo arquejava a meus pés... Perdoa-me! Eu te peço perdão, porque preciso de perdão e não sei a quem pedir, a que Deus, a que homem, a alguém enfim...

Não imaginas como isto faz-me sofrer... Quando caí embaixo de uma carreta, o que me doía não era a ferida, era a alma, era a consciência; e Ricardo, que foi ferido e caiu ao meu lado, a gemer e pedir — 'capitão, meu gorro, meu gorro!' — parecia que era o meu próprio pensamento que ironizava o meu destino... (Pág. 144, 145)

 

Quaresma escreveu uma carta a Floriano Peixoto denunciando a situação, sendo preso injustamente e acusado de traição. Apesar de certas tentativas por parte de Ricardo e de sua afilhada Olga, o major não conseguiu se libertar e acabou sendo condenado ao fuzilamento.

 

Olga falou aos contínuos, pedindo ser recebida pelo marechal. Foi inútil. A muito custo conseguiu falar a um secretário ou ajudante-de-ordens. Quando ela lhe disse a que vinha, a fisionomia terrosa do homem tornou- se de oca e sob as suas pálpebras correu um firme e rápido lampejo de espada:

—Quem, Quaresma? disse ele. Um traidor! Um bandido!

Depois, arrependeu-se da veemência, fez com certa delicadeza:

—Não é possível, minha senhora. O marechal não a atenderá.

 

Ela nem lhe esperou o fim da frase. Ergueu-se orgulhosamente, deu- lhe as costas e teve vergonha de ter ido pedir, de ter descido do seu orgulho e ter enxovalhado a grandeza moral do padrinho com o seu pedido. Com tal gente, era melhor tê-lo deixado morrer só e heroicamente num ilhéu qualquer, mas levando para o túmulo inteiramente intacto o seu orgulho, a sua doçura, a sua personalidade moral, sem a mácula de um empenho que diminuísse a injustiça de sua morte, que de algum modo fizesse crer aos seus algozes que eles tinham direito de matá-lo. (Pág. 158)

 

Tem-se em Lima Barreto um dos maiores escritores e críticos do movimento modernista, em especial nesta obra, na qual se fez crítica às três principais vertentes da sociedade: a cultural, na primeira parte e através do mundo acadêmico e político; a rural, através do campo e também da política; e a militar-social, através do batalhão. Há também a retratação e a descrição de um vasto cenário brasileiro.

Portanto, o movimento Modernista – em suas três fases – foi de grande ênfase e inovação para a época, pois se quebrou uma série de “regras e dilemas”, tanto na prosa quanto na poesia. Essas novas tendências se aplicaram não só no contexto histórico, político, social e cultural, mas também, na linguagem e na forma. O período nos deixou um vasto material para diferentes estudos e um grande registro histórico.

 

Referências Bibliográficas

 

BOSI, Alfredo, 1936 – História Concisa da Literatura Brasileira – 43ª Ed – São Paulo: Cultrix, 2006.

 

BARRETO, Lima – Triste Fim de Policarpo Quaresma – São Paulo: Ática, 1983.

 

 

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